segunda-feira, 25 de maio de 2020

Quem somos? O que nos define? O que há além das rotulações e convenções sociais...

Escolha

"Eu posso escolher quem quero ser, o que vou
comer, beber, vestir e quem vou namorar.
Eu posso ser de verdade ou de mentira. Ou
de verdadeira mentira. Depende como eu escolherei
me revelar. Eu posso sair para onde eu quiser.
Posso passear, chorar, gritar sem ser vista e
ouvida. Posso matar a mim mesma pouco a
pouco, e ninguém ao meu redor vai perceber as
chagas vazando, pingando o sangue febril que em
minhas veias borbulha. Posso ser amada ou
odiada. Ter ou não uma vida ingrata. Atuar livremente
para seduzir os espectadores a notarem-me, ou
ignorarem-me. Repudiá-los.
Eu sou o que sou por uma soma de fatores,
perdida no montante que às vezes deixo render.
Por escolha própria, ou por falta dela."


Poesia extraída do livro Escolhas - versos, de Priscila Bezerra

segunda-feira, 25 de junho de 2018

Fernando Pessoa

Uma de minhas primeiras paixões dentro do universo literário, mais precisamente dentro do gênero poesia, foi Fernando Pessoa e seus heterônimos. Esse português natural de Lisboa, nascido a 13 de junho de 1888, foi além de poeta, filósofo, ensaísta, dramaturgo, entre outras proezas. Tal como nos informa sua biografia, sua poesia é lírica e nacionalista voltada a temas tradicionais portugueses, como também subjetiva, reflexiva sobre seu "eu profundo".



Biografia Fernando Pessoa


Sempre me encantou as possibilidades que a arte proporciona, e as palavras com seus arranjos me fisgou desde cedo. Essa paixão inebriante foi aumentando com o tempo e com as perspectivas libertárias que foram se afirmando diante das descobertas reveladas.

Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo.
que ninguém sabe quem é
( E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes
e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fernando Pessoa - extraído de Revista Bula


Fernando Pessoa por Paulo Autran (poemas)


Fernando Pessoa através de sua genialidade consagrou-se como um dos mais importantes poetas da língua portuguesa, e principal representante do Modernismo português. Seu "Livro do Desassossego", escrito sob o heterônimo de Bernardo Soares, um ajudante de guarda-livros (profissional contábil) é considerada uma obra-prima, próxima de uma prosa poética.

Há em Lisboa um pequeno número de restaurantes ou casas de pasto [em] que, sobre uma loja com feitio de taberna decente se ergue uma sobreloja com uma feição pesada e caseira de restaurante de vila sem comboios. Nessas sobrelojas, salvo ao domingo pouco freqüentadas, é freqüente encontrarem-se tipos curiosos, caras sem interesse, uma série de apartes na vida.
O desejo de sossego e a conveniência de preços levaram-me, em um período da minha vida, a ser freqüente em uma sobreloja dessas. Sucedia que quando calhava jantar pelas sete horas quase sempre encontrava um indivíduo cujo aspecto, não me interessando a princípio, pouco a pouco passou a interessar-me. (...)


Vamos mergulhar nesse universo enriquecedor de Fernando Pessoa e seus vários "eus" literários, e experimentar sensações e emoções que transcendem a concepção pré-determinada que temos das coisas, pessoas, e de nossa própria existência.

Imagem relacionada"O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente."

Fernando Pessoa



domingo, 25 de setembro de 2016

Ecos atemporais


Olhar vago, mente dispersa; seu semblante nada dizia. Lá fora o caos reinava, o mundo louco corria, em chamas a terra ardia, mas isso importava? Sussurros doces de algum lugar brotavam, alimentando brandamente seu espírito silenciado. Os passos temiam perseguição, mas a alma dizia "escute seu coração". Isso lhe era o bastante. Render-se aos apelos da sua voz interior distinguia-se como a escolha certeira. E assim a liberdade do ser era conquistada, para se ser quem verdadeiramente é.

O céu está claro, e amanhã os medos não serão mais importantes, e todas as expectativas de hoje serão frutos doces à beira da morte, porque só o presente é eterno. A carne perecerá, transformações e mudanças ocorrerão, e apenas a alma imortal sentará no penhasco da ilusão e dirá:
 - Eu venci, agora é minha vez.


terça-feira, 21 de junho de 2016

Reccorrência

Minhas pálpebras são cortinas azuis com bordas de cetim chamuscadas em repouso. Meu estômago revida cada golpe com fama de touro ferido, velho e cansado. Eu insisto, ainda não me tens em pedaços. Solavancos e saltos, espasmos, sou cega e surda, confusa e alheia à matrix. Eu ainda aguento... em desespero terreno. Lucidez incerta, sois rasteira e replicante, pérfida e doentia. Dias de verdades e mentiras, dias sagrados e profanados. A vida ao avesso nos faz sangrar; lentamente... sadicamente... inclemente. Rasga tudo dilacerando teu ser imortal que se refaz sobre uma carcaça estúpida e ingrata. Saia enquanto ainda te vejo! Talvez haja tempo caso queiras fugir. A fumaça ainda não me sufocou, posso lhe acobertar caso tenhas amor para semear. Eu sei que tens! Sinto teu sangue irrigando a carne que ainda tem vida em meio à escuridão. Não confio mais na minha própria razão, apenas me guio pela crença na Terra Prometida em seu estado inegável.

As batalhas queimam em oração mesmo quando não há mais sentido para a vitória ou derrota. Meus passos pisam em terra de almas escravas devastadas e lançadas em seu próprio inferno. Somos animais ébrios suplicando pelo pão. Eu insisto, ainda não me tens em pedaços. Existências simultâneas chocam-se como nêutrons em fissão nuclear. Só precisamos amar... mas isso não parece suficiente quando não queremos nos desvencilhar do caos que instalamos. Não sei mais o que estou enxergando. Sigo sem pressa até achar um mundo sem enganos.





segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Hoje vou postar dois textos, que muito me agradam, de um colega do Diários de Mochila, o literato Mario Rodrigues (o mesmo que me apresentou o blog!). Mais textos de sua autoria podem ser conferidos em suas colunas Fragmentos de uma Quase novela de cotidiano e Detritos de memória.
Vamos lá alimentar a mente e a alma a fim de cultivar terreno fértil para dar vazão à criatividade! ;)

 

Entre duas criaturas

O descontentamento, as soluções pontuais, por exemplo, olhar pro lado e espiar a imagem estranha de uma então ideia fixa: a chamada moça inominável surgiria dos lábios marcantes de uma amiga da faculdade; era um absurdo (agora me concentro neste absurdo, uma imagem gravada numa caminhada matinal por um bosque da Universidade E***). Um absurdo histórico a revoada súbita de pássaros acima de nossas cabeças! Eu me apurava mentalmente, negava a ideia original, só podia ser… Não! A moça inominável era a moça inominável e a minha amiga da faculdade era a minha amiga da faculdade. A moça inominável, a amiga da faculdade, a amiga da faculdade, a moça inominável, a elevação de uma dúvida, uma confusão de ânimos.
Embora a face de uma lembrasse a face da outra, eu teimava em afirmar didaticamente: a minha moça inominável era a moça inominável e a minha amiga da faculdade era a amiga da faculdade. Pra ser mais franco ainda, meus olhos passaram naquele tempo a falar difícil pacas, por amar as duas; obsessivamente, amava as duas, a da ficção e a da não ficção.
Na realidade, ambas eram (e não sei até que ponto é possível aqui prezar por tais existências) duas faces de uma moeda só, uma moeda de valor fora de circulação no mercado e só existente em minha cabeça?
Até hoje não consigo explicar tal acontecimento (não há referências para justificar nesta passagem).
Ainda na época, eu repisava: não sei se amo a moça inominável, não sei se amo a amiga da faculdade, ainda não sei quem eu amo mais; entre as duas, (arriscava-me!) acho que sou mais o amor que as unem a mim – tão bonitinho esse amor! (Nesta imagem declaratória, desconfio que se trata de amor inventado, como cantava Cazuza.)

Para entendedores

Objeto de pressões inúmeras de todos os lados, cantos e recantos; alvo de tiroteios simbólicos de interesses alheios, escusos ou legítimos; abajur sem lâmpada dos ditos indefesos, das manias e aflições; uma figura sem decência etc. etc.
O que mais tagarelar exatamente da pele do próprio repórter genérico, uma espécie de autorretrato de infelicidade?
Pra ser franco, se eu escancarasse um 1/3 do que eu gostaria de escancarar sobre os bastidores da atividade jornalística – ao longo de um dispensável tempo de trabalho –, iriam me tomar por um sujeito extremamente fora do comum e contra o ser humano. (Como se eu já não o fosse um aposentado das pequenas redações.)
Não posso dizer exatamente? Pois é o que mais se reproduz no dia a dia.
Sigilo de fonte? Sem essa. 95% do chamado sigilo de fonte é omissão de mau-caratismos, leviandades, vaidades descontroladas, interesses escusos, proselitismos, atos subservientes e… e… e…
Sem ambição pra fazer fortuna fácil e o jogo matreiro dos sistematizadores de posteridades, atiro-me pra situação agora há pouco suspensa no ar:
– A falta de saída, o confronto contra o mundo, (quase sussurrando…) um patético ponto de vista à margem da história das santas civilizações.

Textos extraídos do blog literário Diários de Mochila.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Diários de Mochila e um conto hoje no blog

Fico super feliz em anunciar que a partir de agora colaboro no site Diários de Mochila com a coluna Papo Nada Sério?! Convido aos amantes das palavras conferir não só os meus textos, mas os dessa galera super talentosa do Diários! ;) Estreei com a poesia Escolhas... bora conferir?!

Abaixo segue um conto inspirado na concepção de que o universo é regido pelas forças masculina e feminina (quem sabe?!) tanto harmoniosamente quanto caoticamente. Fiquem com A Origem.


A origem


Essa é uma história de Amor. E ódio. Antes mesmo da concepção do existir, eles já existiam e devoravam o nada ao seu redor. Numa terra de ninguém, inexistia pureza ou pecado. Eles eram um só, numa dança atemporal, sem som, nem calor. O universo não dispunha de movimento. O cosmos, um vazio escoado à sua própria essência. Não havia definição alguma, atividade ou vontade.

Um casal rotineiro, sem filhos, com ausência de mínima variação nos costumes: não eram iguais, mas estavam fundidos numa imersão profunda e constante. Não se sabe ao certo o que houve; talvez a mesmice de sempre, o comodismo de ambos, ou a falta de novidade fez com que se separassem. Contudo, não foi um processo fácil, ambos eram por demais ligados um ao outro; já não sabiam onde esse começava e outrem terminava. Na verdade, mal tinham certeza de quem realmente eram, separadamente. Não possuíam identidade própria, entretanto iriam encontrá-la. O rompimento causou um colapso tal, que os abalos estenderam-se para além do infinito, alterando a ordem natural de tudo até ali. Cada um foi para um lado, em extremos opostos, e, à medida que caminhavam, a totalidade à sua volta expandia-se também. Foi quando ela descobriu-se grávida. Seria o resultado concreto do ato consumado. Realidade, insubsistente antes do término da relação, tornou-se exequível originando o movimento, e consequentemente o tempo e o espaço. Ela daria à luz ao fruto fecundo do mais puro Amor. Do Amor mais puro. O princípio da existência. Pariu. Deu vida a toda Criação. Seus filhos, sua prole. Viu-se mãe, e teria de aprender a lidar com esta nova condição para criá-los, ensinar-lhes a sobreviver por si mesmos. Enquanto em seu ventre, adormeciam no líquido amniótico, alimentados e protegidos pelo manto maternal da paz profunda, da serenidade da inconsciência. Fora dele, a Grande Mãe os instruiria oferecendo-lhes um leque de possibilidades. No começo, na distinção e diversidade de suas características, complementavam-se fraternalmente. Irmãos, semelhantes nas suas diferenças, iguais na sua essência. Amavam aquela que os gerou, a Mãe que forjou todo um mundo para ser o berço de suas crias. E ela sentia-se orgulhosa que cada qual era uma parte de si, e juntos, eram-na por inteira. Eles a ouviam; seguiam seus conselhos, era a voz que os guiava. Presenteavam-na, prestavam-lhe homenagens, honravam-na. Formavam uma família feliz, com uma matriarca que inspirava paciência, sabedoria, sutileza e coragem, a feminilidade da Vida.

Mas o Pai soube de seus filhos, e quis assumir seu papel e reivindicar seus direitos. O reencontro entre as Forças Creadoras (do latim, crear) foi desastroso, e resultou em discórdia, disputa de poder e autoridade, confrontos e desentendimentos que se propagaram como ondas eletromagnéticas desestabilizadoras. Uma luta de gigantes, e na ausência de base familiar, as criaturas tomaram o recém-nascido livre arbítrio para si. Vagaram errantes, desvirtuosos por veredas sombrias e pérfidas. Alguns de lá não mais sairiam. Nesse período, muitos se intitularam deuses, senhores sobre os demais, impondo-se com superioridade. A soberba, a iniquidade, as moléstias inundaram a terra com trevas que se estendiam por vales inteiros, por céus e mares, numa tormenta violenta de terror e maldade. Quando as Fontes Paradoxas do universo deram-se conta e olharam para toda a Criação, viram uma mixórdia do verbo em ação, propagada e desencadeada pela energia liberada da tensão dos Dois. Acusaram-se mutuamente. A Grandeza masculina tentou restabelecer a normalidade naquele caos. Sentiu-se frustrado nas tentativas em vão. O Pai dos Céus não tinha qualquer credibilidade na superfície terrena, não era respeitado, reconhecido pelos seus próprios filhos, que agiam sem fé, nem esperança. Decidiu puni-los. Escolheu um entre seus filhos para ajudar-lhe na renovação da vida de todo o planeta. Um que o escutou. Após dar-lhe as instruções necessárias, chorou. Desabou chorando, de dor e desespero, com um pesar profundo por não ter conseguido exercer controle por sob a Terra. Banhou-a com seu pranto, lavou-a creditando estar eliminando toda a impureza, achando serem suas lágrimas o antídoto ao vírus que assolava e corrompia a natureza, o código inicial da essência dos seres. De nada adiantou. O Mal proliferado já havia se enraizado profundamente nas entranhas do que outrora fora o mundo perfeito. E este mesmo mundo repovoou-se irregularmente, culminando em desarmonia generalizada novamente.

Agora as coisas iriam encaminhar-se por si mesmas, jurou para si o Aspecto Cósmico masculino. Ele e a universalidade feminina não mais se entenderam. Por tudo que deveria ser... e não foi. A palavra do pai aos poucos foi disseminando-se pela Terra, atingindo proporções e distorções várias, interpretada e mal interpretada, sugerindo mudanças nas condutas, comportamentos e posturas das pessoas. Nos seres que ele ajudou a criar. A Grande Mãe foi enclausurada. Quase esquecida. Houve tempos terríveis, sanguinários, de muito medo e intolerância... em nome da fé.

A matriarca aos poucos foi relembrada. A luz do esclarecimento, do conhecimento voltou a despertar os sentidos adormecidos da volúvel raça humana, segundo conta uma lenda. Assim, recobra-se o contato com a Verdade que em cada um habita, e que em todo lugar está, e isso traz a paz, a harmonia. Ainda conta a lenda que a união das Forças opostas que regem a vida universal, terá um desfecho feliz, pois eles se reaproximarão, retomando o casamento perfeito. O equilíbrio de toda concepção concreta e abstrata depende disso; viver num único e verdadeiro Reino: o do Amor.