Abaixo segue um conto inspirado na concepção de que o universo é regido pelas forças masculina e feminina (quem sabe?!) tanto harmoniosamente quanto caoticamente. Fiquem com A Origem.
A origem
Essa é uma
história de Amor. E ódio. Antes mesmo da concepção do existir, eles já existiam
e devoravam o nada ao seu redor. Numa terra de ninguém, inexistia pureza ou
pecado. Eles eram um só, numa dança atemporal, sem som, nem calor. O universo
não dispunha de movimento. O cosmos, um vazio escoado à sua própria essência.
Não havia definição alguma, atividade ou vontade.
Um casal
rotineiro, sem filhos, com ausência de mínima variação nos costumes: não eram
iguais, mas estavam fundidos numa imersão profunda e constante. Não se sabe ao
certo o que houve; talvez a mesmice de sempre, o comodismo de ambos, ou a falta
de novidade fez com que se separassem. Contudo, não foi um processo fácil,
ambos eram por demais ligados um ao outro; já não sabiam onde esse começava e outrem
terminava. Na verdade, mal tinham certeza de quem realmente eram,
separadamente. Não possuíam identidade própria, entretanto iriam encontrá-la. O
rompimento causou um colapso tal, que os abalos estenderam-se para além do
infinito, alterando a ordem natural de tudo até ali. Cada um foi para um lado,
em extremos opostos, e, à medida que caminhavam, a totalidade à sua volta
expandia-se também. Foi quando ela descobriu-se grávida. Seria o resultado
concreto do ato consumado. Realidade, insubsistente antes do término da
relação, tornou-se exequível originando o movimento, e consequentemente o tempo
e o espaço. Ela daria à luz ao fruto fecundo do mais puro Amor. Do Amor mais
puro. O princípio da existência. Pariu. Deu vida a toda Criação. Seus filhos,
sua prole. Viu-se mãe, e teria de aprender a lidar com esta nova condição para
criá-los, ensinar-lhes a sobreviver por si mesmos. Enquanto em seu ventre,
adormeciam no líquido amniótico, alimentados e protegidos pelo manto maternal
da paz profunda, da serenidade da inconsciência. Fora dele, a Grande Mãe os
instruiria oferecendo-lhes um leque de possibilidades. No começo, na distinção
e diversidade de suas características, complementavam-se fraternalmente.
Irmãos, semelhantes nas suas diferenças, iguais na sua essência. Amavam aquela
que os gerou, a Mãe que forjou todo um mundo para ser o berço de suas crias. E
ela sentia-se orgulhosa que cada qual era uma parte de si, e juntos, eram-na por
inteira. Eles a ouviam; seguiam seus conselhos, era a voz que os guiava.
Presenteavam-na, prestavam-lhe homenagens, honravam-na. Formavam uma família
feliz, com uma matriarca que inspirava paciência, sabedoria, sutileza e
coragem, a feminilidade da Vida.
Mas o Pai
soube de seus filhos, e quis assumir seu papel e reivindicar seus direitos. O reencontro entre as
Forças Creadoras (do latim, crear) foi desastroso, e resultou em
discórdia, disputa de poder e autoridade, confrontos e desentendimentos que se
propagaram como ondas eletromagnéticas desestabilizadoras. Uma luta de
gigantes, e na ausência de base familiar, as criaturas tomaram o recém-nascido
livre arbítrio para si. Vagaram errantes, desvirtuosos por veredas sombrias e
pérfidas. Alguns de lá não mais sairiam. Nesse período, muitos se intitularam
deuses, senhores sobre os demais, impondo-se com superioridade. A soberba, a
iniquidade, as moléstias inundaram a terra com trevas que se estendiam por
vales inteiros, por céus e mares, numa tormenta violenta de terror e maldade. Quando
as Fontes Paradoxas do universo deram-se conta e olharam para toda a Criação,
viram uma mixórdia do verbo em ação, propagada e desencadeada pela energia
liberada da tensão dos Dois. Acusaram-se mutuamente. A Grandeza masculina
tentou restabelecer a normalidade naquele caos. Sentiu-se frustrado nas
tentativas em vão. O Pai dos Céus não tinha qualquer credibilidade na
superfície terrena, não era respeitado, reconhecido pelos seus próprios filhos,
que agiam sem fé, nem esperança. Decidiu puni-los. Escolheu um entre seus
filhos para ajudar-lhe na renovação da vida de todo o planeta. Um que o
escutou. Após dar-lhe as instruções necessárias, chorou. Desabou chorando, de
dor e desespero, com um pesar profundo por não ter conseguido exercer controle
por sob a Terra. Banhou-a com seu pranto, lavou-a creditando estar eliminando
toda a impureza, achando serem suas lágrimas o antídoto ao vírus que assolava e
corrompia a natureza, o código inicial da essência dos seres. De nada adiantou.
O Mal proliferado já havia se enraizado profundamente nas entranhas do que
outrora fora o mundo perfeito. E este mesmo mundo repovoou-se irregularmente,
culminando em desarmonia generalizada novamente.
Agora as
coisas iriam encaminhar-se por si mesmas, jurou para si o Aspecto Cósmico
masculino. Ele e a universalidade feminina não mais se entenderam. Por tudo que
deveria ser... e não foi. A palavra do pai aos poucos foi disseminando-se pela
Terra, atingindo proporções e distorções várias, interpretada e mal
interpretada, sugerindo mudanças nas condutas, comportamentos e posturas das
pessoas. Nos seres que ele ajudou a criar. A Grande Mãe foi enclausurada. Quase
esquecida. Houve tempos terríveis, sanguinários, de muito medo e
intolerância... em nome da fé.
A matriarca
aos poucos foi relembrada. A luz do esclarecimento, do conhecimento voltou a
despertar os sentidos adormecidos da volúvel raça humana, segundo conta uma
lenda. Assim, recobra-se o contato com a Verdade que em cada um habita, e que
em todo lugar está, e isso traz a paz, a harmonia. Ainda conta a lenda que a
união das Forças opostas que regem a vida universal, terá um desfecho feliz,
pois eles se reaproximarão, retomando o casamento perfeito. O equilíbrio de
toda concepção concreta e abstrata depende disso; viver num único e verdadeiro
Reino: o do Amor.