domingo, 20 de setembro de 2015

Superação feminina


A mulher e sua representatividade


Em pleno séc. XXI a mulher ainda luta contra tabus, desvalorização e discriminação de todo tipo. Ao longo da história, e no transcorrer de processos e transformações sociais e culturais, a mulher busca firmar seus direitos na igualdade de gêneros, e conquistar seu espaço como profissional, cidadã, mãe e esposa, superando preconceitos, e quebrando paradigmas. Esse caminho de lutas e glórias, muitas vezes marcado por violência e privações, é o legado que dia após dia essas guerreiras carregam em sua trajetória. Infelizmente ainda são alarmantes as estatísticas referentes à violência contra a mulher, e as ações e movimentos que surgem a fim de fortalecer o propósito em acabar com tamanha barbárie são ainda pequenos diante da realidade atual.

Conceitos depreciativos e uma mentalidade profundamente machista coexistem com importantes conquistas femininas em diversas áreas da sociedade. A cultura de massa que ajuda a propagar uma visão degradante da imagem da mulher, somada a uma concepção limitante do papel da mesma são ingredientes perfeitos para fortalecer o senso (ou seria a falta dele?) da pseudo superioridade masculina.

Chiquinha Gonzaga, compositora, musicista e primeira maestrina do Brasil enfrentou a sociedade patriarcal do séc. IXX revolucionando padrões comportamentais encarados como imorais e inaceitáveis. Casou-se duas vezes e se separou; firmou-se como pianista profissional, o que era inédito para uma mulher na época; fundou a primeira sociedade protetora e arrecadadora de direitos autorais do país para valorizar o trabalho dos artistas. Ela encarou os desafios tanto profissionais quanto pessoais em um período em que a mulher nada podia. Porém, 80 anos após sua morte, os avanços quanto aos direitos e à valorização da figura feminina ainda estão em um curso sombrio. Abusos, estupro, violência... questões culturalmente enraizadas e aceitas nas crenças coletivas. Um estupro coletivo pode ser justificado, agressões físicas e violência doméstica também, só para citar alguns.  
É, muita coisa não se encaixa, contextos deturpados que não dão vez ao respeito à pessoa, às suas escolhas, suas convicções, sua sexualidade, sua natureza feminina, seu papel social. A mulher não só tem o direito de exercer seu livre-arbítrio de maneira plena e total. Ela tem esse direito e merece todo respeito, e merece usando minissaia, calça jeans ou burca.



Simplesmente mulher
"Seus sapatos seguindo rastros, suportando fardos que só
mulheres como nós sabem aguentar. Sobreviver de
migalhas, farelos pisoteados só para fazer jus aos sonhos
de uma esperança quase sem fim.
São pés cansados beirando o asfalto da discórdia e da
dor. Num mundo doente, nossas mãos buscam sementes
tragadas pelo chão quase sem vida, seco de amor.
O corpo padece, vacila, mas a mente elucida que há tanto
por fazer, seria egoísmo continuar a questionar. Esse é o
preço, e mesmo à beira do desespero, a verdade não nos
pode faltar. Através dela vem a coragem, e amor e
vontade de seguir forte adiante, mesmo que ninguém
perceba. E ninguém percebe.
Quem sabe das suas cicatrizes, das batalhas das quais saiu
derrotada, quase morta?
Quem sabe dos seus sonhos e meninices, dos seus
fantasmas e sandices?
Seus anjos e suas trevas estão consigo, e somente consigo,
nenhuma paixão efêmera poderia compreender.
Então brava guerreira, deusa da justiça e da
Liberdade; grande mãe que traz vida e orienta o
Mundo; continue sendo, mesmo que em muito se
anulando, esta grande alma que num corpo
mortal segue rumo à luz da Verdade Suprema..."



Documentário Maria - A história das mulheres no Brasil
 

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Verdades Incertas

O texto abaixo conta com alguns recursos para dar mais ênfase e vida, como uma música de minha autoria bem no final (vale lembrar que eu não sou violonista, então considerem por favor). A seguir o conto Verdades Incertas.

O que dizer de Joana?! Sonhadora, dramática existencialista e que ainda por cima acreditava não só em pequenos milagres e seus lampejos de esperança, mas em milagres capazes de transformar por completo a vida de alguém. Um misto de doçura e rispidez marcavam sua personalidade, como os mais próximos bem sabiam. Vivia movida à emoção mesmo sabendo ser um alto preço a se pagar, entretanto era algo intrínseco à sua natureza, por mais racional e ponderada que ela tentasse ser. Talvez houvesse alguém em algum lugar com muitas coisas assim em comum, e quem sabe ainda o destino trataria, de alguma maneira, de aproximá-los.

Em frente à tela de seu computador, ela se perguntava se aquele simpático rapaz era apenas mais um personagem do mundo virtual criado por um alguém completo oposto, ou se realmente era uma pessoa de carne e osso sendo ela mesma. As conversas on-line mantinham-se interessantes desde o começo, e mesmo com o passar dos dias os assuntos fluíam entre eles. Ela gostava de falar com aquele cara, afinal bom papo hoje em dia é raro, ainda mais pela internet. Mas havia um ponto em especial que chamava mais sua atenção: Joana desconfiava que talvez ele fosse sincero, mas ainda era cedo, muito cedo para aquela mulher ter certeza disso. E assim os dias iam passando, e assim a vontade entre eles de manter contato e de se falar (teclar, diga-se de passagem) aumentava. Joana passava por uma fase complicada em sua vida; seu relacionamento findara, seu lado profissional estava sendo reformulado, havia problemas familiares, e como mãe ela sentia-se fracassada e frustrada. Dividir isso com qualquer pessoa estava fora de cogitação, ou talvez não já que seu ex-namorado queria ampará-la no que fosse preciso. Não, ela sabia que isso não daria certo, nunca havia dado; era doloroso e desolador, mas ela precisava seguir em frente por si mesma, com sua própria força (quase escassa). E fora nesse meio tempo de transição que a amizade virtual com aquele sujeito ora problemático e ranzinza, ora acolhedor e envolvente se intensificou. A sensível mulher percebeu que ele precisava de ajuda, mas o que fazer diante da situação demasiada delicada entre eles? As conversas na maioria das vezes  pendiam para graves desentendimentos no final da noite, e Joana que pensava seriamente em resolver aquilo simplesmente deletando o jovem instável de seus contatos, se viu diante de algo que o coração apontava para o exercício da paciência. Na verdade ambos precisavam de ajuda, ambos gritavam e sofriam com seus próprios problemas; os dois queriam apenas um milagre em suas vidas. A cilada do destino estava armada.

- Como a gente consegue brigar tanto, ainda mais virtualmente?

- Eu já te falei cada coisa absurda... meu deus...

Quando Joana se deu conta, ela já não era apenas uma amiga à distância preocupada com alguém que parecia perdido; ela estava apaixonada. Eram madrugadas adentro via mensagens e telefonemas; era um algo sem explicação que não a deixava se afastar nem raciocinar o quanto aquilo tudo era infrutífero e insano. João a conquistou e a elevou como sua salvadora, afirmando isso com todas as letras. Ela gostava daquela atenção que mesmo muito tempestuosa a fazia acreditar ser uma pessoa especial; especial para aquele por quem ela estava irremediavelmente caidinha. Sua alma de artista deixava-se levar por aquelas palavras... ah, as palavras! Joana adorava as palavras... mesmo sabendo que elas são flores fincadas em lâminas afiadas.

Mesmo com todas as contrariedades, eles seguiram ávidos pelo desejo de viver uma história sem precedentes. Duas crianças brincando num carrossel holográfico que apenas eles enxergavam. Tudo no plano do imaginável. A uma altura dessas, Joana já não conseguia discernir, mesmo se quisesse, as consequências que um envolvimento às cegas como aquele poderiam trazer. As conversas, as cobranças, as declarações apaixonadas, o mergulho suicida na crença do amor sem muitas objeções guiavam suas rotinas. E assim mantiveram-se até o encontro real. Finalmente depois de tantos meses e tentativas adiadas de se conhecerem cara a cara, poderiam se olhar nos olhos e se abraçar.

Era mágico e o frio na barriga aumentava à medida que as horas e os minutos avançavam; aquela jovem mulher queria tanto beijá-lo! Ele a fazia sonhar. Quando se viram e se encontraram pela primeira vez, seus rostos pareciam iluminados e naquele instante nada mais importava. Era engraçado o que eles haviam superado para estar ali, tanta briga e discussão idiota que não tinham mais qualquer sentido então. Joana sentia-se meio entorpecida com a situação, e por mais que achasse que João não estivesse muito à vontade, acreditava que talvez fosse por sua timidez. Ele havia avisado. Os dois estavam juntos, e isso bastava. Eles se olharam ternamente e se beijaram encostados no carro do rapaz como dois adolescentes desajeitados acolhidos pela noite serena. Passearam de mãos dadas entre sorrisos e poucas palavras pela avenida pouco movimentada de um dia qualquer, e após um lanche rápido, saíram rumo a um lugar tranquilo para se curtir; o resto da noite seria só deles.

Assim que entraram no quarto alugado, João perguntou se ela conseguia ouvir seu coração batendo forte. Joana sorriu e disse que sim. Ela o amava e sentia-se feliz por estar ali. Queriam um ao outro e seus corpos pediam por isso. Fizeram amor a noite inteira até a manhã seguinte, aventurando-se na lascívia da paixão. Selaram um compromisso de respeito e cumplicidade olhando nos olhos um do outro; fariam de tudo por aquela união, enfrentariam qualquer coisa para permanecerem juntos. Doce ilusão. Ao se despedirem, talvez tomados pela emoção, ou por quererem acreditar na fantasia do momento, declararam um “Eu amo você” que incendiou o coração de Joana. Ao se afastarem e darem um último adeus pela vidraça do ônibus que se retirava, a moça sentia o peito apertar de saudade e tristeza. As mensagens por celular que eles trocaram em seguida mostraram que era recíproco, eles estavam em sintonia e o universo conspiraria a favor deles (ou não).

Os dias que se seguiram foram conturbados, marcados por brigas e desentendimentos. Motivos banais escondendo questões sérias foram usados para testar se aquela relação era verdadeira ou perene. Separados por mais de 50 km de distância, cada um estava envolvido em seus próprios problemas e correrias. Porém o final de semana se aproximava e tudo aquilo se findaria, pois estariam juntos novamente. Mas isso não aconteceria. Eles não puderem se encontrar pessoalmente, e por telefone, verdades vieram à tona e Joana não aguentou a pressão; queria ter certeza da verdade mais a fundo. João não era exatamente quem ela imaginava; versões várias lhe foram apresentadas e em sua cabeça tudo ficou quente e confuso. A impulsiva mulher ficou transtornada diante de certos fatos que fugiam completamente com o que o cara por quem ela estava perdidamente apaixonada afirmava ao longo do tempo em que se conheciam. Um ponto final em toda aquela enganação precisava ser dado. As palavras de carinho foram substituídas por insultos e ofensas, de ambas as partes, e no desenrolar da semana tudo apenas piorou. Uma enxurrada de acusações absurdas veio da contramão em direção a Joana, e nada mais, absolutamente nada mais fazia sentido naquele lamaçal de injúrias e mentiras. Tudo acabou em meio a um buraco negro de desavenças e sofrimento. Joana e João tornaram-se dois estranhos cegos de cólera, e tomados por ressentimentos e feridas profundas. Ainda assim a incorrigível romântica sentia falta daquele rapaz.

As promessas foram tão fáceis... mas não simplesmente jogadas fora ou esquecidas como panos velhos corroídos pelo tempo; tudo estava fresco demais para isso. As promessas foram degoladas e rasgadas com vigor e ódio. Como aquele amor que parecia real, que parecia palpável, que parecia sincero se transformou em tanta discórdia e dor de uma hora para outra?!

- Eu juro que vou fazer de tudo por esse amor – ambos juraram; tudo era possível enquanto estavam nus sob a cama com suas peles se roçando. Reforçaram o juramento de nunca mentir ou omitir algo um ao outro enquanto a manhã lá fora se arrastava como o despontar de um novo horizonte em suas vidas. Eles haviam divido medos e sonhos, anseios e objetivos um com o outro. Tudo havia se comprovado um grande engano e devaneio pueril.

- Eu tremo só de pensar em te perder...

O baque foi forte demais para a sonhadora Joana. Por mais melodramático que pareça, ela não conseguia comer ou se concentrar direito em nada. Pouco a pouco as coisas iriam ser digeridas, talvez um pouco à força, mas devagar tomariam seu percurso natural de conformidade. Até seu telefone tocar numa noite chuvosa. Era João. Havia apenas um assunto ainda pendente entre eles, mas que podia ser resolvido por intermédio de outros meios. Um e-mail ou mensagem de celular seria suficiente, mas o telefone insistiu em tocar mais uma vez. Ela não queria falar com ele, era doloroso e desnecessário; ainda assim atendeu como se tivesse peito suficiente para escutar a voz de alguém que em tão pouco tempo lhe causava tanto estrago.

O tom de ambos não foi amistoso. O estômago da jovem revirava conforme a conversa avançava, e com os esclarecimentos vindouros seu coração sangrava rarefeito. João com naturalidade confirmou que ele a ex estavam ensaiando reatar o namoro, que ele tentara se enganar e Joana havia sido uma opção como tapa buraco. Ela mal conseguia acreditar... A falta de tato e de consideração por parte dele consumiam-na internamente. Ao menos todos estavam felizes; sua família por vê-los separados, a ex e ele por estarem juntos novamente. Ele nunca fora merecedor de seu amor.

Após encerrar a ligação para nunca mais, ela fumou um cigarro, e outro, pensando o quanto fora trouxa. Ela havia participado de uma história fictícia, e se perguntava como alguém podia brincar com os sentimentos alheios de forma tão egoísta e mesquinha daquele jeito. Era um aprendizado a mais para ela guardar em sua caixinha de “olha como é a vida, não cai mais nessas”... Estava doendo, mas ia passar. Ela gostaria que aquilo tudo fosse apenas um grande mal entendido, mas não era. As pessoas mentem e enganam todos os dias; alguns verdadeiros jogadores profissionais. Tudo ficaria bem a partir dali com as máscaras ao chão, e ao menos por isso ela sentia-se aliviada. Mesmo amando-o, ele nunca mais ouviria isso de sua boca. E com a certeza de uma alma em chamas, Joana despediu-se do rastro de uma mentira amarga. Enfim, tudo acabara.