domingo, 10 de fevereiro de 2013

reencontro


No quarto escuro. Os movimentos propagavam-se no ar sombrio de uma alma silenciada. Calou-se o tremor que batia suas asas de perseguição. Cessou a convulsão que turbilhava o âmago do seu ser. A fumaça do cigarro ondulava formas sinuosas, expiradas de pulmões e tabaco consumidos a si mesmos. Café frio repousava na caneca marcada de batom e saliva amarga, com gosto de estrada rodada, de velhos tempos em ti presentes. Mãos inseguras tateavam sobras de ideais oníricos, objetivos distintos daqueles que de fato por sua vida lutou. Perdera-se no meio do caminho. E o som da madrugada, ria do desmanche sôfrego de uma carcaça em corrosão. O carpete macio não atenuava as marcas da ferradura que seus pés calçaram para chegar até ali. A suavidade de seu flanco sensual ancorou na violência de inescrupulosos dilemas. A organização do cômodo de agora não condizia com a necessidade de revirar o seu mundo pelo avesso. Horas de desespero trazidas à tona pelo vinho na taça. Direcionou-se pela via errada. Um bom travesseiro e um cobertor quentinho acabariam com tudo isso. Depois de um banho. De corpo e alma. Consciência ensaboada, desinfetada, polida. Agora poderia ter o sono tranquilo. Mas as imagens persistiam em lhe deprimir. O jeito seria recorrer às chaves do carro. Antes fossem as chaves da redenção. O medo aprisiona, enclausura, executa-se a sentença. Até que a última dívida seja paga. Alguém em nós é o juiz; o júri; o réu...

Dias frios de pulso ardente, seguia com os nervos a latejarem-lhe a cabeça por dentro, dirigia a esmo, imune ao erro da derrota ou do fim. A fragilidade humana. Um eco perdido na triste condição de paralelamente existir à morte da guerreira iluminada que um dia se fez ver e ouvir. Tornou-se escrava na vicissitude de reinos e eras glaciais. Suicidou-se flagelada pelas feridas que nunca cicatrizariam. Os faróis gritantes da madrugada selvagem aterrorizavam os sentidos semimortos do corpo prostrado ao volante. A noite interminável não parecia render-se aos quilômetros percorridos da máquina veloz que furava o túnel invisível da fraqueza e desesperação. Foi quando viu aquela jovem, linda, cheia de vida no acostamento da rodovia. Ela não parou e viu a mesma moça mais adiante. Por fim chorou. E parou o carro. Voltou com o carro e a deixou entrar.

- Para onde vai?! - perguntou aos prantos.

- Vou te acompanhar para onde for. - respondeu-lhe o lindo rosto juvenil. Tinha enfim encontrado o que julgava morto. Tinha reencontrado a si mesma, refeita, vitoriosa, plena.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário